Será que teremos juros civilizados no Brasil?

O país está envolto na poeira de Brasília. Parece que não faremos outra coisa a não ser ver e ouvir horas de vídeos com as delações do fim do mundo sobre o maior esquema de corrupção do país – e do mundo também. Tanto assim que o Banco Central fez o movimento mais intenso de redução da taxa de juros em anos e ninguém deu muita bola. O Copom baixou de 12,25% para 11,25% a taxa básica da economia, a Selic.

 

A decisão veio sem surpresas, já que tinha sido mais do que alardeada pelo próprio BC nas últimas semanas. Aliás, este tema merece uma observação. Na tentativa de melhorar sua comunicação com o mercado e com a sociedade, o BC comandado por Ilan Goldfajn tem antecipado frequentemente as decisões sobre os juros. Na avaliação de um economista que já passou por Brasília e pediu para não ser identificado, “toda vez que eles ficam se telegrafando, eles ficam se amarrando”.

 

Isto quer dizer que a antecipação do resultado, que neste Copom era de reduzir o juro em 1pp, deixa o comitê com baixa liberdade de adaptar a decisão aos fatos que se acumulam entre os encontros. E, no caso do Brasil, os fatos têm acontecido em velocidade e intensidade impressionantes. Nesta reunião de abril, os diretores sinalizaram que vão repetir a dose em maio mas deixaram uma fresta aberta para ir além disso se o cenário permitir.

 

Para o BC importam, essencialmente, o que se passa com a inflação e com a atividade econômica. Com a inflação as surpresas são só positivas. O índice oficial, IPCA, está derretendo e é quase certo que ele vai fechar o ano abaixo da meta de 4,5%. As expectativas coletadas pelo boletim Focus estão hoje em 4,1% com um juro que vai cair até 8,5%. Com a atividade o céu não está tão de brigadeiro assim. Os dados conhecidos de 2017 mostram que a retomada será tarefa árdua e lenta.

 

O BC adotou um termo para se referir ao patamar desejável para a taxa brasileira, o chamado juro estrutural. Há outros nomes já conhecidos como juro neutro ou juro de equilíbrio. Esta é a taxa já descontada da inflação e que, em determinado nível, não provoca distorções na economia – como a própria aceleração da inflação.

 

O Copom tem se referido ao juro estrutural para sinalizar o tamanho do movimento que fará ao longo do tempo, sempre considerando o balanço dos riscos e dados econômicos. Na avaliação mais recente, este juro estrutural estaria em 5%. Se o BC reduzir a Selic até 8,5% e o IPCA ficar em 4,1%, como espera o mercado, a taxa real ficaria em 4% (numa conta superficial, mas válida para o raciocínio).

 

A pergunta que fica sem resposta, apesar de toda a sinalização escancarada, é se o Copom estaria imaginando que um pouco de pressão nos preços com um juro menor faria o IPCA a voltar para o centro da meta de 4,5%. Afinal, a meta de 2018 é a mesma e o debate sobre a redução dela deverá se limitar à escolha do objetivo de 2019 – o que pode abrir espaço para a queda da taxa estrutural. Este ponto foi levantado pelo economista Alexandre Schwartsman em sua análise da decisão do Copom, enviada a clientes de sua consultoria.

 

 

Há também um aspecto ressaltado pelo economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawal, na entrevista exclusiva que deu ao blog. Uma taxa mais baixa poderia ser o impulso que falta para ajudar empresas e consumidores a quitarem suas dívidas mais caras e retomar investimento e consumo. Como o Estado não terá mais o papel de estimulador da economia após a recessão, sobrou para a taxa de juros colaborar para a recuperação do crescimento.

 

O balanço entre todos os riscos e cenários econômicos considerados será levado em conta nas próximas reuniões do Copom. Mas há outra condicionante destacada pelos diretores do comitê: a reforma da previdência. Se ela for aprovada, bem. Se não for, amém para uma realidade civilizada para a taxa de juros no Brasil.

Fonte: G1, por Thais Herédia